sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Como viver sem Mell?

         “Não me imagino sem ela e nem quero que esse dia chegue. Sei que um dia ela vai, todos nós vamos. E o que me consola é pensar que os cachorros morrem cedo porque eles já nascem sabendo amar de um jeito que nós, demoramos anos para aprender.”


Foi com o parágrafo citado acima que encerrei o meu texto sobre os dez anos da Mell, o meu melhor presente. E é este trecho que tem me consolado desde quarta-feira, 26 de dezembro. Exatamente 18 meses depois de perder o meu ursão, no dia 26 de junho de 2011, acordei por volta das 4 horas com a respiração ofegante dela na caminha ao lado da minha, acendi a luz, coloquei a mão nela – o coração ainda batia, corri e chamei a mãe, quando voltamos já não tinha mais nenhum tum tum. Ela tinha me deixado, mas pelo menos ouvi um último suspiro.

Exatos dez anos, três meses e 16 dias, dividindo almoço, as cobertas, o espaço no sofá, a atenção da mãe. Recebendo carinho recíproco e verdadeiro. Uma vira lata com pinta de cachorra de raça, mas que não era nada glamourosa. Topes, roupas, enfeites, ela não curtia. Preferia um osso dos grandes, daqueles que sujam todo o pêlo e deixam um cheiro insuportável. Banho não era com ela, a não ser que fosse de mangueira e na hora que ela sentisse vontade. Caminhar na beira do mar, correr qualquer bicho que aparecesse na frente, foram assim alguns verões. Água doce ela também curtia, a primeira vez que entrou no rio foi sozinha, sem convite algum, mas estando na família em que estava era puro instinto banhar-se no Jacuí.

Queijo, creme de leite e uma única marca de ração – a mais cara da Imec, era esse o cardápio dela. Não refugava um restinho de almoço ou janta, só em caso de miojo ou Cup Nudles. Era a maior parceira para a minha preguiça fosse a hora que fosse. Adorava um cobertor no inverno e um ventilador no verão. Morria de medo de trovão e fogos de artifício, nesses casos procurava abrigo no quarto da mãe e do pai. Na hora do medo os pais são mais eficientes que os irmãos.

Companheira e carinhosa, não perdia uma voltinha de carro, até mesmo a pequena manobra para entrar na garagem. Adorava o vento na janela. Morria de medo de escada, e quando deixou de enxergar após um problema oftalmológico passou a ter medo do menor degrau que fosse. Alguns caminhos ela sabia de cor, como o de casa até a esquina, que aprendeu com o Kadu. Ultimamente era mais difícil, o equilíbrio era pouco e ela chegava a cair da calçada. Simpática, a Mell era contra cachorros, preferia crianças e canarinhos – o Trecko ganhava afago quando a gaiola estava ao alcance dela.

Poderia escrever muitos parágrafos aqui e não descreveria a falta que ela está me fazendo. Cada vez que preciso responder “Onde está a Mellzinha?” me ponho a chorar. Por mais que a mãe tenha recolhido todas as coisas dela espalhadas pela casa, ainda tenho a impressão que ela vai chegar. Assim como, até hoje, acho que o Kadu vai abrir a porta, ontem parecia estar ouvindo caminhando no corredor - devagarzinho, com preguiça, só para uma troca de cama. Acostumei a dormir de porta aberta para que ela pudesse entrar a hora que quisesse e bem entendesse. Algumas madrugadas perdi o sono porque ela roncava, mas nem isso me fazia querer perder aquela companhia. Ainda preciso processar que não preciso mais chamar ela para comer o pedaço de carne do almoço e nem para ir para o quarto.

A Mell chegou uma bolinha de pêlo cheia de pulgas lá em casa e com um dom sem igual para pegar carrapatos. Mas, mesmo sem glamour, ela chegou sabendo amar, amou e foi amada. Soube festejar cada chegada, fazer um afago especial em cada visita. E no último dia em casa passou o dia com a família, aproveitando o ar condicionado, do jeito que sempre foi, companheira.

Agora, cabe a mim reaprender a viver sem ela.

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